A volta da pré-modernidade, ou a exceção do modernismo
A modernidade foi uma exceção e produto de uma sequência de improbabilidades naturais e humanísticas. Argumento que mediante os vínculos dos mecanismos naturais primários, o pré-modernismo e seu ideário pautado no indeterminismo e inevitabilidade representam a configuração mais estável para a estrutura social, e que a percepção de modernidade tardia expressa pela liquidez e pela ideia de que vivemos uma sociedade de risco nada mais é do que um estado transiente para uma nova pré-modernidade.
Para tal, é importante saber a origem e os pilares de sustentação da modernidade, bem como o contexto anterior. A sociedade enquanto agrícola e pré-moderna era marcada por ciclos e processos históricos regulares, que se refletem desde o aspecto econômico para até a transição regular de estruturas sociais e correntes de pensamento. A dinâmica era imutável e mutável ao mesmo tempo, no sentido de que a história sempre se repete apesar da contínua evolução. Limitações físicas, tecnológicas e sociais impediam a fuga deste ciclo. [1] [2]
Uma sequência de exceções e circunstâncias no século XVIII ocasionou o alinhamento de diversos impulsos sócio-econômicos de maneira essencialmente inédita nos últimos dois milênios. Subitamente, a história se tornou linear, e o pensamento busca acompanhar essas mudanças através de um construtivismo crescentemente positivista, ao invés de se ater com a periodicidade de construção e desconstrução. [2] [3]
A nova linearidade apoiou-se na hipótese do humano como agente livre e sem amarras de transformação. O capital, as ideias e a liberdade são os itens estruturantes desta nova ordem natural das coisas, o qual se encontram livres para entrar em uma temporalidade de expansão sem fim e sem vínculos fixos. Este é o Antropoceno, a era onde a evolução da estrutura social se apoia tão somente em si mesmo, sem restrições impostas pelo sistema natural, e no qual ideários precaucionistas como lendas, mitologias e superstições são tidas como obstáculos ao progresso material e intelectual humano.
Entretanto, o planeta é um sistema fechado em si próprio. Com a aceleração da transformação humana, rapidamente são encontrados limitações para a estrutura expansiva. Mesmo a ingenuidade científico-tecnológica possui limites atrelados para com a capacidade cognitiva humana. Tais limites se tornam visíveis com o pico da Grande Aceleração na década de 70 em diante. [4]
Com a nova visibilidade, o qual foi esquecida durante a modernidade, da limitação humana em ser o agente transformador do planeta, a estrutura social começa a se volatizar. Não mais os problemas podem ser resolvidos através de expansão — mas na verdade agora eles o são os próprios produtos desta expansão. Os sistemas, que antes acolhiam as esperanças humanas, passam a ser os produtores de ansiedade mediante a necessidade de sempre se optar por trade-offs. [5]
Neste sentido, a ansiedade ao fim da modernidade se reflete como uma recuperação da capacidade da estrutura social ser reflexiva e de enxergar os limites no qual a configuração social não deve extrapolar sob risco da ocorrência de efeitos adversos. A agência do mundo natural retorna a ser um processo estocástico, universalizante e indiferente com as características individuais de cada um, e no qual se há a adição da força humana para com as antigas forças naturais imponderáveis da seca, terremotos e pestes. [5]
A existência de fronteiras complexas, mas bem definidas, cria uma condição de contorno sobre o espaço de configurações sociais que uma determinada estrutura pode adotar. É um fato natural conhecido de que processos de crescimento com natureza exponencial, ao serem limitados, tendem convergir a processos cíclicos e com períodos transientes que podem ser curtos ou longos. [2]
Esta transiência é o que percebemos agora, no qual a estrutura pautada em crescimento exponencial busca preservar seus traços fundamentais enquanto sendo tropeçando nas limitações pós-modernas. Dualidades e sobrecarga de informação são temas onipresentes nesta configuração que perdeu o pilar fundamental, mas que busca a resiliência através da flexibilidade e austeridade eternas, prometendo um falso sentimento de agência humana em um mundo onde o destino crescentemente se torna marcado.
A história cíclica obriga a adoção de modelos e símbolos complexos como compensação da fixação do parâmetro ambiental. Paradigmas estruturantes terão de ser adotados para uniformizar o entendimento das consequências do destino gerado pela ordem natural das coisas.
Na nova pré-modernidade, o ideário modernista de agência expansiva é um risco concreto para a estabilidade e sustentabilidade das novas configurações que estão presas e amarradas, mas confortáveis dentro de processos minimamente previsíveis no sentido da inevitabilidade.
Referências
[1] — Secular Cycles — Peter Turchin, Sergey A. Nefedov. ISBN 978–0691136967
[2] — Ages of Discord — Peter Turchin. ISBN: 978–0996139540
[3] — Global Economic History — Robert C. Allen. ISBN-13: 978–0199596652
[4] — Limits to Growth — Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows, Jorgen Randers & William W. Behrens. DOI http:dx.doi.org/10.1349/ddlp.1
[5] — Risk Society, Towards a New Modernity — Ulrich Beck. ISBN-13: 978–0803983465