Ciclos Históricos, e como eles ajudam a entender o agora
Por toda história da humanidade, o mundo conhecido foi marcado pela ascensão e queda de impérios espalhados ao redor do globo. Do Egito antigo para os Impérios romanos e gregos na Europa, e das dinastias Chinesas para até mesmo os reinados Inca e Astecas - todas essas sociedades ascenderam, prosperaram, decairam e ruiram, para então nascer novas sociedades em seu lugar.
A histórica é cíclica e isso era um conhecimento compartilhado por todos até começarmos a revolução industrial, quando o avanço da tecnologia e das máquinas nos criaram a ilusão de que a única direção do tempo é o progresso e evolução. Mas, apesar de estarmos mais confortáveis, os motores dos ciclos dos períodos de prosperidade e colapso continuam a nos rondar.
Será que os ciclos e as histórias acumuladas de todas essas sociedades têm algo a nos alertar? Neste texto, vamos navegar sobre o que são esses ciclos, e em como eles afetam o mundo que vivemos no hoje e agora.
O que está por trás dos ciclos?
Quais são esses motores da prosperidade e colapso então? E como que eles estão ligados?
A teoria recente com maior conteúdo empirico é a Teoria Estrutural-Demografica, que é uma explicação sobre quais são as origens e motores da instabilidade e estresse políticos. Ela tem esse nome pois ela combina a teoria demográfica, que é a ideia de que superpopulação tende a esgotar recursos naturais, e a teoria estrutural, que é a luta de classes de Marx.
Em essência, ela diz que esses ciclos possuem quatro etapas, onde cada etapa corresponde grosseiramente a uma geração humana. Essas etapas são: expansão, prosperidade, crise e depressão.
A etapa da expansão tem como ponto de partida uma sociedade igualitária e não muito rica, onde todo mundo se sente no mesmo barco e todo mundo trabalha em conjunto para um propósito comum. Conforme o tempo passa, o poder e a riqueza começam a se concentrar nas mãos de poucos - o que gera a sensação de uma "era de ouro" e prosperidade para a narrativa da sociedade mas começa a corroer a estrutura social aos poucos.
Eventualmente, começa a faltar riqueza para a quantidade de pessoas ambiciosas dentro da sociedade, e quem fica de fora disso começa a se revoltar contra quem tem. Essa é a etapa de crise, e conflitos internos fragilizam a sociedade.
Há tantos conflitos que as instituições bem como a estrutura da sociedade acabam por entrar em colapso e são desintegradas, e junto com isso a sua riqueza. A sociedade volta a ser igualitária devido a destruição do poder que havia sido acumulado. Essa é a fase da depressão, quando a poeira ainda não terminou de abaixar.
O ciclo completo de todas essas etapas é chamado de ciclo secular, e eles podem ser observados em diversos momentos da história. No contexto da Roma Antiga por exemplo, o período da República foi um ciclo secular completo, e o Império foi outro ciclo secular. Os Estados Unidos também tiveram um ciclo secular completo entre o período de independência e a Grande Depressão. Ciclos também podem ser encontrados na França e Inglaterra medievais, bem como nas dinastias Chinesas e Russas. Todos esses ciclos já foram validados e descritos extensivamente em obras como o "Ages of Discord" e o "Secular Cycles", escritos por cientistas sociais especializados no tema.
Do que são feitos os ciclos?
De onde vem então essas etapas? Do que elas são feitas de fato?
São três as coisas, que segundo a Teoria Estrutural Demográfica, causam os ciclos históricos. O primeiro, e menos importante a ponto de ser irrelevante, é o Déficit Fiscal do Estado. Todo império e sociedade que colapsaram haviam déficits enormes no momento, mas conforme vamos ver isso é somente uma consequência e não uma causalidade.
A segunda, que é importante mas não fundamental, é a miséria da população. Quanto mais humilhada e empobrecida estiver a população, maior a probabilidade de existir um colapso na sociedade. Ainda assim, esse fator não é totalmente explicativo - especialmente ao considerar que impérios antigos como o Romano eram escravagistas e extremente desiguais. Os servos no Égito Antigo viviam extremamente mal, mas ainda assim não havia colapso.
É aqui que brota então o fator causal e definitivo para indicar o colapso da sociedade. Ele é o que os autores consagrados como Peter Turchin e Jack Goldstein chamam de "superprodução de elite".
O gerador de crises - superprodução de elite
Superprodução de Elite. Não é um conceito simples. Você pode tentar entender isso como sendo o fato dos concursos públicos que pagam bem estarem cada vez mais concorridos e impossíveis de entrar, ou como sendo a polarização de nossos lideres políticos e religiosos, ou até mesmo como o fenômeno de termos cada vez mais bilionários e empreendedores de sucesso no mundo enquanto a vida fica cada vez mais imprevisivel e incerta. Essas são consequências concretas, mas para entender a fundo os ciclos históricos precisamos entender bem o conceito de superprodução de elite.
Elites sociológicas
Mas antes, vamos ter clareza sobre o que é fazer parte da elite. Ela não é sobre ter dinheiro, e sim sobre possuir poder perante os outros. Ser da elite é ser alguém que mais manda do que é mandado. Ou em sociologês: elite é o grupo de pessoas que exercem poder perante a população geral. Você exercer poder é você poder mandar, inspirar e comprar as pessoas.
Ter poder é ter capacidade de extrair mão de obra alheia. Ser elite é extrair mais mão de obra dos outros do que os outros extrairem mão de obra de ti.
Geralmente, para você fazer parte da elite, você tem que exercer três vezes mais poder do que se é exercido em você. Em outras palavras, se as outras pessoas trabalharam mais do que 3 horas para você, e você trabalha uma hora para os outros, então você está na fronteira da elite.
Se você exerce poder entre 1 e 3 vezes antes de alguém mandar em você, então você está na classe média, e se é abaixo de 1: você é um trabalhador.
Essas definições são importantes para estudar os ciclos históricos, pois as sociedades mudam com a geografia e história. Em nosso mundo moderno, é fácil quantificar o poder pois ele está associado ao dinheiro, mas conforme veremos, a conta bancária é somente uma das formas de ter poder.
Componentes do poder
O poder na verdade, possui quatro componentes bem diferentes um do outro, e eles são: o poder coercitivo, o poder econômico, o poder social e o poder administrativo.
O poder coercitivo é a capacidade de extrair tempo humano por via da força e ameaça. É o poder onde você obriga as pessoas a trabalharem para você, como na escravidão e servidão.
Já o poder econômico é a extração de tempo humano por via de trocas materiais. O exemplo típico é através de você pagar em dinheiro alguém para fazer algo, mas isso se extende também para trocas de objetos e simbolos, como obras de arte e cultura.
Já o poder social é associado ao uso da inspiração, sentimento de pertencimento, compaixão, dor e raiva como métodos para se extrair mão de obra. Ele costuma ser associado com artistas, líderes comunitários e pessoas carismáticas.
Por último, existe o poder administrativo, que é associado para com as regras e rituais. É quando você faz alguma coisa e não sabe porque está fazendo, ou porque faz parte da "rotina" ou uma obrigação sem consequências imediatas. Geralmente esse poder está associado com a burocracia, tanto por parte do Estado quanto também como sendo as burocracias corporativas e empresariais. As religiões também detem deste poder quando se considera as liturgias e rituais.
É importante considerar que raramente esses poderes vem de forma isolada, e quase sempre vem misturadas em muitas camadas. Alguém que possui poder coercitivo pode se valer disso para obter vantagens econômicas e portanto deter de poder econômico. Alternativamente, uma pessoa carismática pode usar sua influência para adquirir cargos administrativos, e portanto deter poder administrativo. As relações e misturas de poder são complexas, apesar de que tipicamente sempre há uma forma de poder que é mais vísivel e predominante do que os outros.
Agora que sabemos o que é poder e o que é elite, podemos definir superprodução de elite: Superprodução é quando a oferta supera a demanda. A oferta de aspirantes de elite é superior ao número de vagas de elite. O número de pessoas competentes é maior do que o número de vagas oferecidas para pessoas competentes, e o número de vagas de poder é superior ao número de pessoas ambiciosas.
Esse é o fator causal por trás de todo ciclo histórico, e a gravidade da superprodução de elite é fundamental para entender a capacidade de resposta de qualquer sociedade para com crises externas.
De onde vem a superprodução de elite?
Até agora, discutimos a elite em uma ótica de disputa de poder. Essa é a visão da luta de classes, ou estruturalista, que ao longo da história foi considerada divergente em relação a perspectiva da oferta e demanda. Porém é quando misturamos as duas que passamos a ter uma visão completa dos ciclos históricos.
Vamos considerar pelo lado da oferta quanto as vagas de elite: o ponto de partida dos ciclos é considerar que o número de vagas de elite são limitadas e mudam pouco com o tempo.
A população brasileira mais do que duplicou nas últimas décadas, mas o número de governadores e deputados continua muito parecido. O mundo está muito mais rico do que há três décadas atrás, mas somente lembramos dos 10 mais ricos. Nunca houve tanta produção cultural e intelectual, mas o número de pessoas na boca do povo continua a ser pequeno. Antigamente, para ser considerado um empresário bem sucedido bastava ter uma empresa. Hoje, precisa de muito mais.
Antigamente, bastava ter um bilhão o mundo inteiro lhe conhecer. Hoje, ninguém sabe quem são os bilionários de tanto que se tem. São necessários 40 bilhões para ser famoso.
Em outras palavras, a oferta de vagas de elite cresce muito pouco com o tempo. Porém a demanda por elas tem outra história: não só ela aumenta, como ela acelera com o tempo.
Isso acontece por vários motivos. Primeiro porque a elite possui familia e filhos, e os filhos querem ter a mesma qualidade de vida de seus parentes e amigos. Isso por si só significa que a demanda de novas vagas de elite é igual a taxa de natalidade da população. O problema é que as vagas surgem com menos velocidade do que a velocidade que os filhos da elite nascem.
Quando os candidatos para as vagas sobram, jeitos devem ser inventados de separar os merecedores das vagas e os não-merecedores. Isso geralmente é feito através da comprovação de algo, como uma carreira bem-sucedida ou muitos anos de estudo, que por vez depende do consumo de mão de obra alheia. Afinal, alguém tem que plantar e colher para que outra pessoa possa estudar e administrar. Portanto, poucas vagas e muitos candidatos geram desigualdade.
Com isso, há uma aceleração na demanda por vagas de elite, pois a desigualdade de poder gera motivação em querer ascender socialmente. Não só isso, mas quanto maior a desigualdade, maior a recompensa em fazer parte da elite. E quando a desigualdade é suficientemente alta, a população não tem nada a perder exceto em não tentar participar da elite.
Rapidamente, a demanda por vagas de elite é muito maior do que a oferta. A elite está superproduzida e pior: os aspirantes que querem fazer parte dela são muito mais qualificados do que quem tá lá. Veja a situação dos concursados antigos e os concursados novos por exemplo.
Erupção da crise
A crise estoura quando os aspirantes deixam de acreditar na justiça do sistema. Eles estão de saco cheio de um sistema corrupto cheio de dinossauros que são muito menos qualificados que eles para exercer o poder. Os candidatos a elite se tornam uma contra-elite: um grupo empenhado ativamente para derrubar o poder e revolucionar o sistema.
O destino da sociedade passa então por como esse conflito é encaminhado. Os resultados podem ser catastróficos: guerras e violência física intensa. Em outros momentos, a elite vigente se uniu, reformou o sistema e desarmou a bomba temporariamente até o próximo ciclo. As possibilidades são muitas, e os fatores que levam para cada uma delas também, e iremos abordar os caminhos para elas nos próximos episódios.
Dito tudo isso, é hora de refletir. Em que estágio do ciclo histórico estamos? Qual é o nosso papel nesse período único da história humana? A história é cíclica, mas será que podemos quebrar o ciclo a partir do momento que temos consciência dela?