Ciclos históricos da Roma Antiga

Danilo Lessa Bernardineli
7 min readJun 5, 2020

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A história foi moldada por nações, povos e impérios, e talvez nenhum deles tem um alcance tão grande em nossa leitura ocidental quanto o Império Romano. Seu retrato aparece em quase todas as obras culturais, como filmes no estilo do Gladiador, videogames como o Rome: Total War, e livros e livros, no qual se insere o livro mais lido do mundo: a Bíblia.

O Império Romano foi marcado por suas instituições pioneiras e peculiares para a época, como um código de leis jurídico e a existência de um senado e burocracia administrativa pautada na lei. Seus exercitos eram famosos por serem disciplinados e organizados, e seus cidadãos eram notados pelo ativismo cívico. Ao mesmo tempo, os romanos detinham de todo o conhecimento grego da antiguidade sobre filosofia e ciência.

Os romanos eram muito avançados, e uma pergunta que movimentou o estudo da história por séculos é: se era tão avançado, porque ele caiu e deixou de existir? Isso sempre foi o grande mistério da história ocidental, e na verdade já foram compiladas mais de 100 teorias sobre o porque, e elas vão de doenças e bárbaros na porta para até contaminação por chumbo e inflação econômica.

Neste texto, vamos dar mais uma teoria, só que uma que é robusta pois ela é a mesma teoria por trás da decadência de todas as sociedades grandes, das dinastias chinesas para os impérios ingleses e franceses. Essa é a teoria estrutural demográfica que introduzimos anteriormente, e ela é consequência dos impulsos humanos, que são parecidos em qualquer momento da história.

O que aconteceu então? Irei resenhar uma descrição da história contada no livro “Ciclos Seculares”, de Peter Turchin e Sergey Nefedov:

A sociedade romana passou por dois ciclos integrativos e desintegrativos bem descritos durante sua existência: o ciclo republicano entre 350 e 50 AC, e o ciclo imperial entre 30 AC de Cristo e 285 DC. Existe também evidências de que houve um ciclo monarquico completo entre 600 AC e 350 AC, bem como um ciclo imperial incompleto entre 285 DC e 465 DC, mas estes dois ficarão de fora do relato.

Cada ciclo, em qualquer sociedade, é marcado por quatro fases: a expansionista, estagflação, crise e depressão, e cada fase, em qualquer sociedade histórica, é marcada por carregar similaridades e narrativas que sempre são idênticas.

Na fase expansionista, que durou de 350 até 180 AC para a República, ou 27 DC até 96 DC, a sociedade se caracterizava por ser o mais igualitária entre os seus cidadãos o quão poderia ser. Transições violentas, como a queda da monarquia romana ou as guerras civis romanas fizeram com que os ricos e poderosos diminuíssem em número, e liquidasse seu patrimônio em massa.

Ao mesmo tempo, as conquistas romanas garantem um fluxo constante de riquezas para os cidadãos menos favorecidos, os quais se alistaram no exército visando garantir terras agrícolas em regiões fronteiriças. A adição de territórios extensos também causava a queda na densidade demográfica dos censos romanos, o que implicava em uma menor pressão por recursos.

Porém, a expansão somente consegue acontecer enquanto há muito mais recursos e territórios que pessoas ambiciosas. Isso começa a se inverter na segunda etapa do ciclo: a da estagflação. Essa é a etapa de concentração de poder e patrimônio como forma de ascender na pirâmide social, e ela acontece quando não mais é possível contemplar todos os aspirantes a elite. É a etapa onde a crise começa a ser semeada, porém é invisível pois ela soa como uma “época de ouro”, devido as obras e produções monumentais que são feitas nesta etapa do ciclo secular.

A Roma republicana viveu esta etapa entre 180 AC até 130 AC. No primeiro ciclo, a agricultura, que antes pertencia aos pequeno proprietários que descendiam dos soldados, passou a ser dominada pelos latifundiarios, que eram os generais e grandes comerciantes da época. Ao mesmo tempo, passaram-se a ter muitas guerras de forma quase sequencial, o que fez com a classe média da época — os soldados — ficassem muito pobres, pois eles tinham de custear o equipamento próprio e nunca chegavam a fazer o uso de suas recompensas.

Dentro do ciclo de estagflação, a glória dos romanos foi elevado a um patamar inédito na história humana, assim como também foi elevado o descontentamento de seus integrantes, pois somente os poderosos poderiam consumir os frutos. Não deu outra. O período de 130 AC até 30 AC foi marcada por um período de colapso total.

Nesse colapso, contra-elites ambiciosas prometiam reformas aos pobres, que por vez se alistavam para derrubar o sistema. Revoltas de escravos e gladiadores já não eram mais contidas, e a expectativa de vida dos poderosos caiu substancialmente. A sucessão de diversas guerras e reformas causaram a destruição em massa do patrimônio e propriedade existente. A desigualdade começa a cair: em parte pelas reformas, e em parte porque a propriedade dos ricos já não existia mais.

No momento quando se inicia essa queda, existe o período de depressão, ou transição, que compreende o período entre 30 AC e 30 DC. É o período onde a sociedade está em seu ponto mais frágil, e se torna receptiva para novas ideias e novas estruturas. A população comum está em seu ponto mais livre também, com a fragilidade dos poderosos que não mais conseguem tomar conta de tudo. O que aconteceu bem no meio desse período de transição, no ano zero?

A neste periodo de depressão, se inicia um novo ciclo, desta vez o Imperial. O seu ciclo expansivo se dá entre 30 DC e 96 DC, e é marcado por um desenvolvimento econômico por todos os cantos do império. Revoltas populares são mínimas, e o dinamismo social é evidente em todos os censos de que se pode obter, mesmo sem grandes expansões territoriais. Os conflitos e guerras tem um impacto mínimo na população geral, e a diferença de renda e patrimônio entre os poderosos e a classe-média é pequena.

Entre os anos de 96 DC e 165 DC, entra-se no período de estagflação, que é considerada a época de ouro do império romano. O estado romano passa a aumentar o seu peso sobre a vida cotidiana por via de tributações e alistamentos para poder contemplar o excedente de aspirantes ao poder que passa a existir. A estabilidade social é mantida ao custo de se colocar uma extração cada vez mais desigual sobre as pessoas.

Eventualmente, a bomba explode, e isso acontece em 165 DC. As finanças romanas não mais são capazes de financiar e contemplar os aspirantes, e estes decidem que podem ter mais retorno ao tentar capturar diretamente o estado romano. Entre 165 DC e 197 DC, inicia-se um período de guerra civil e instabilidade políticamente contínuo que rapidamente inviabiliza o arranjo imperial anterior. Inicia-se um período de depressão prolongado em 197 DC que termina somente em 285 DC, no qual o Império Romano torna-se um objeto totalmente irreconhecível em relação ao que era 200 anos atrás. E aqui, encerro o resumo do relato dos ciclos romanos.

Todo esse relato desses dois ciclos é empírico, ele depende de medições sobre os diversos aspectos sociais e econômicos da época. Censos de população, acumulação de moedas, estatísticas arqueológicas e entre outros. Existe uma área inteira de ciência destinada somente para tentar descobrir como os dados podem revelar a nós uma narrativa da história do passado, e ela se chama Cliodinâmica.

Entender o passado é mais do que uma vã curiosidade. Entender ele é entender o que move a nós, e quais são as armadilhas que nos esperam. Ao longo da história, tivemos muitas boas ideias e muitos pensadores visionários junto com muitas catástrofes e colapsos. Porque ainda assim houveram os colapsos?

Antes de remanejar as forças históricas e alterar o curso, é necessário saber qual é a correnteza. Muitas vezes, a semente do colapso foi germinado em uma boa ideia, e outras vezes más ideias geraram sementes de prosperidade. Um dos ensinamentos que a história traz, é que o contexto importa. A posição do ciclo, e onde você está nessa estrutura, são fundamentais para saber quais serão os próximos passos.

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Danilo Lessa Bernardineli
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