Dormindo ultraleve através de bivaque

Danilo Lessa Bernardineli
6 min readDec 29, 2020

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bivaque: o minimalismo para dormir

Bivaque típico em um dia de chuva

A forma mais minimalista e versátil de se acampar enquanto se faz os mochilões de bicicleta é através do bivaque, que se trata de dormir ao relento do céu e encostado ao chão, sem a cobertura fornecida por barracas e tendas, e sem o suporte de redes de dormir.

O bivaque enquanto sistema costuma ser constituído de um saco de dormir, um isolante térmico, e opcionalmente uma cobertura. Lençóis e travesseiros também são utilizados ao gosto para incrementar o conforto.

O uso de bivaques para acampar no Brasil ainda é reduzido, principalmente devido a desconhecimento e concepções incorretas, como por exemplo em relação ao conforto térmico ou a capacidade de se adaptar para condições climáticas adversas. Abordarei neste texto as vantagens e desvantagens do bivaque, as concepções incorretas e sua mitigação, e também um relato da experiência prática ao usar o bivaque em um bikepacking com chuva e lama.

porque sim e não bivaque

O bivaque apresenta diversas vantagens únicas em relação aos outros métodos, nos quais cito como sendo a versatilidade da escolha de lugar, a agilidade de manuseio, peso/volume reduzidos e a camuflagem.

A primeira é o fato de que se é possível dormir em quase qualquer lugar. Montanhas, florestas, areia, campos abertos, planos e inclinações. O único requisito duro é uma área de solo. Comparado com acampamentos de barraca, que exigem áreas planas, ou de redes de dormir, que exigem a presença de suportes, o bivaque facilita bastante na hora de sondar possíveis áreas para acampar, economizando tempo e abrindo possibilidades.

O segundo é a agilidade de manuseio. Preparar o bivaque se resume a jogar o equipamento no chão e entrar dentro dele. Para aventuras que exigem controle de tempo, isso é uma propriedade importante.

Não á toa, o bivaque é amplamente usado por ultra-maratonistas de trilha e montanhistas, tanto pela comodidade como também pelo peso e volume reduzidos, que é a terceira vantagem.

Uma das vantagens de um sistema de bivaque é o volume reduzido de carga

Uma última vantagem pontual é a camuflagem. Bivaques são inerentemente mais discretos por estarem rentes ao chão.

Quanto a desvantagens, a principal é o espaço de manuseio virtualmente inexistente. Não é possível realizar muitas ações com cobertura tal como se é feito dentro de barracas e redes de dormir. Isso é especialmente problemático quando se está debaixo de uma chuva forte. A função primordial do bivaque é fornecer um espaço de descanso, sendo ineficiente para ser um abrigo.

concepções erradas

O bivaque enquanto opção é usualmente ignorada devido a concepções errôneas em relação com a sua adaptabilidade para condições climáticas.

O primeiro ponto é em relação ao conforto térmico. Sacos de dormir são feitos para impedir a circulação de ar internamente ao mesmo tempo que são feitos de tecidos que expulsam a umidade interna para a superfície externa.

Conjuntamente, esses dois aspectos fazem com que após um período de transição, o saco se torne bastante confortável desde que a temperatura ambiente esteja dentro da temperatura especificada pelo saco.

Rajadas de vento raramente são um problema também, pois o bivaque por estar rente ao chão acaba por ter um perfil aerostático muito pequeno.

Outra questão é sobre bivaque ser inapropriado para condições de chuva. É verdade que usar somente um saco de dormir isoladamente não é uma boa ideia, mas isso é facilmente resolvido usando uma cobertura especializada, que faz o gotejamento externo continuar externo, enquanto que a sua membrana semi-permeável expulsa a umidade interna, evitando que se condense umidade no interior.

Uma última concepção errônea é sobre a segurança de fazer bivaque. É verdade que ambientes naturais apresentam animais que podem ser perigosos quando provocados, do mesmo modo que é fato de que um humano dentro de um saco de dormir dificilmente irá provocar qualquer animal. Na prática, basta tomar o cuidado de olhar o terreno antes de jogar o saco de dormir no chão.

bivaque e bikepacking na prática

Dito todo o racional, optei por testar um sistema completo de bivaque na semana de natal de 2020. Encontrei-me com o Leonardo Ferreira em Mairiporã com a ideia de pegar terra e chuva por quatro dias seguidos na serra da Mantiqueira, e sempre acampando de forma completamente autonoma.

Perfil da bicicleta, pronta para viagem autônoma

Usar o sistema de bivaque permitiu adotar uma configuração bastante leve e compacta para a bicicleta, o que permitiu usar bagagens que não impactam tanto o arrasto aerodinâmico. Na prática, a velocidade que foi possível imprimir foi muito parecida com quando não se usa nenhuma bagagem.

O relato completo da viagem merece uma postagem dedicada, e para ir direto ao ponto, vou descrever a passagem da noite.

Cheguei na represa de Piracaia bem ao final do dia e dos raios de sol. A chuva estava se aproximando rapidamente, e havia pouco tempo para decidir para um local apropriado para se abrigar.

Piracaia cheia de lama

Rapidamente, descobri um pequeno campo coberto por árvores que parecia aconchegante o suficiente. Sem delongas, abri a bolsa de canote, peguei a cobertura de bivaque e a joguei no chão. Estendi-a logo em seguida. Jogo o saco de dormir e estendo também. Abro os zíperes. Inflo o isolante térmico com a boca e a coloco dentro do saco de dormir. O abrigo está pronto.

Retiro toda a roupa que estou usando e passo um anti-bactericida para que eu possa a reutilizar no próximo dia sem correr risco de assaduras. Penduro tudo na bicicleta, pego um Kindle e me enfio dentro do bivaque.

O processo de chegar na represa e de eu estar acomodado dentro do saco protegido da chuva levou cerca de 15 minutos, e imediatamente começa a tempestade, que durou várias horas.

Em nenhum momento me molhei, nem pela chuva e nem pela condensação interna.

Para não falar que é perfeito, existe uma pegadinha: você deve ficar dentro do saco de dormir o tempo todo, pois vai ter MUITA umidade entre o saco e a cobertura. Os tecidos do saco vão sugar a umidade de dentro e vão jogar para a camada intermediária entre ele e a cobertura, então se você manter o saco aberto, o sistema não vai funcionar.

O saco foi colocado em um gramado, e mesmo assim não houve problemas de água entrando por via do solo.

Enquanto não pegava no sono, fiquei lendo um livro no kindle sobre história quantitativa. Não foi super confortável, mas deu para passar o tempo. Cai no sono e acordei no outro dia bem cedo. Guardar o saco de dormir e a cobertura é rápido e sem burocracia, mas o isolante térmico é um pouco chato e até agora não achei um método que funciona sempre de forma satisfatória. Não fosse o último ponto, eu avaliaria o sistema como sendo impecável para aqueles que querem acampar da forma mais minimalista e eficiente temporalmente possível.

Bivaque em um dia de chuva

Itens avaliados

Saco de dormir

  • Forclaz 500 Light, tamanho M
  • Temperatura de conforto / limite: 15C / 10C
  • Peso / volume: 630g / 4L
  • Avaliação: perfeito!

Cobertura impermeável para saco de dormir

  • Forclaz Trek 900
  • Peso / volume: 420g / 3L
  • Avaliação: perfeito!
  • Comentários: tem pegadinha na hora de usar, o saco de dormir tem que estar FECHADO

Isolante térmico inflável compacto

  • Forclaz 700 Short Air Structure
  • Peso / volume: 360g / 1.2L
  • Avaliação: razoável
  • Comentários: seria perfeito se não fosse tão chato para guardar

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