Nomadismo digital: modernidade ou volta para as origens?

Danilo Lessa Bernardineli
7 min readMay 19, 2020

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Tudo está mais próximo de tudo neste começo do século XXI. Internet, videoconferências, computadores, smartphones e avião. Podemos conversar com qualquer pessoa do mundo, e estarmos em qualquer lugar do mundo com mais facilidade que os Imperadores e navegadores da época de nossos bisavôs.

Não só é possível como a cada ano e epidemia que passa, tais possibilidades que a tecnologia permitiu estão deixando de ser facilidades e se tornando objeto de trabalho. Conversar com parceiros de regiões remotas, atender clientes de todos os cantos do Brasil, e escrever textos e códigos para o universo digital são exemplos de coisas que podem ser feitos somente com teclado, internet e computador. Itens que cabem em uma bagagem de viagem.

Com a poluição na cidade, o aluguel alto, e o estresse de bater ponto, não deu outra. Pessoas estão começando a usar essas facilidades da tecnologia para trabalhar enquanto viajam, e por incrível que pareça, isso pode até ajudar a economizar dinheiro e lhe tornar mais produtivo! Estes são os novos nômades. Os nômades digitais, são os primos e parentes de sua outra versão mais conhecida: que são os home officers. As pessoas que trabalham somente em casa. Ambos surgiram da mesma coisa, mas desenrolaram sua vida em outra direção.

Isso tudo soa muito novo e diferente para muitas pessoas, mas na verdade é uma volta para nossas origens e raízes. Durante a maior parte de nossa história evolutiva, na verdade os humanos eram nômades.

Antes da invenção da agricultura, os humanos eram caçadores e coletores, o que envolvia viajar todos os dias em busca de lugares onde havia comida e abrigo. Ficar em um lugar só era problemático pois rapidamente a comida de fácil acesso se esgotava, então era necessário viajar sempre: via de regra a cada 2 a 4 semanas e geralmente para um lugar desconhecido e novo, sem saber o que esperar. Em um certo sentido, os humanos são adaptados evolutivamente para serem mochileiros, e o nosso tédio da rotina ficar monótona é um instinto de saber de que precisamos migrar novamente.

Não só eramos mochileiros, como também somos atletas. O ser humano é o único animal terrestre adaptado biologicamente para fazer exercícios físicos de duração extrema. Temos a capacidade de andar 80 quilômetros todos os dias, ou de pedalar 300 quilômetros todos os dias de bicicleta. Isso não é acaso e nem mágica, é a nossa vocação que a evolução nos proporcionou para sermos bons mochileiros, e é uma vocação que foi esquecida a partir do momento que a agricultura e o sedentarismo foram inventados.

Inclusive, pedalar 200 quilômetros é algo que você pode fazer agora mesmo e nesse instante, mesmo que você nunca tenha treinado na vida. Temos um episódio te dando a fórmula mágica para isso, apesar de que não há mágica, pois é para isso que o seu corpo foi adaptado evolutivamente.

De qualquer modo, nós humanos somos excelentes nômades, possivelmente os melhores nômades terrestres que há, e a economia digital permite retomarmos esse nosso aspecto que até o século passado era restrito para poucos: os artesões, comerciantes, navegadores e oficiais.

E é um aspecto esquecido pois a nossa história por dez milênios foi uma história de se prender com a terra e a cidade. A revolução agrícola atrelou as pessoas com a terra, e isso foi necessário pois subitamente se era possível alimentar as bocas com mais previsibilidade e segurança. Viajar toda semana é divertido e legal, mas o fato é que as surpresas são muitas e isso é ruim quando tudo o que você quer é ficar confortável no seu canto.

Em alguma medida, a agricultura é como um casamento tradicional: uma vez iniciada, você tem que cuidar sempre. E se você deixar de cuidar para viver uma aventura rápida, pode ser que você tenha que recomeçar tudo do zero. Apesar disso ser uma analogia, também não é de todo absurdo dado que a ideia de se casar veio junto com a ideia de ter terra.

Com a revolução industrial e o advento das máquinas de altíssima produtividade, veio a oportunidade de ter o melhor dos dois mundos. Estabilidade alimentar e uma vida de liberdade. O problema é que rapidamente descobrimos o consumismo, e de novo estávamos presos a ter de cuidar de nossos empregos em fábricas e escritórios.

Tivemos várias revoluções industrias: a primeira do carvão, a segunda do petroquímico, a terceira dos eletrônicos, e agora vivemos a quarta: a da informática. Essa última é diferente pois ela não é uma revolução na quantidade de coisas que produzimos, mas sim uma revolução sobre o lugar onde precisamos que trabalhar. É uma revolução que diz que se você possui um computador, então você pode produzir em quase qualquer emprego na área de serviços — responsável por 75% do PIB mundial.

Essa revolução é sentida de vários modos, afinal o trabalho pode ser em qualquer lugar. Pode ser na sua casa por exemplo, o famoso Home Office. Pode ser também trabalhar enquanto está viajando. Ou pode ser trabalhar enquanto se é nômade. Todo mundo que trabalha no computador é um nômade digital esperando o momento.

E virar esse nômade digital é muitas vezes uma questão de racionalidade. Aluguéis baratos, conhecer lugares e pessoas novas, e fazer o cérebro fluir. Trabalhar com uma moradia que muda toda semana é muitas vezes questão de maximizar a sua produtividade e as suas economias. É um passo concreto para ser um profissional independente financeiramente e bem-sucedido. E de quebra, ser uma pessoa mais feliz e conectada com o seu ente interior.

Se é tão bom, porque todo mundo não está fazendo isso? Existem dificuldades. Trabalhar a distância envolve exercitar o que temos de melhor em nós mesmos. Envolve conseguir confiar em pessoas distantes, e em colaborar com elas. Envolve usar a nossa inteligência para conseguir ter clareza em nossas intenções e objetividade em nosso trabalho. Acima de tudo, o trabalho remoto significa você confiar, entender e colaborar com uma pessoa que você nunca viu na vida.

Não é simples, mas a humanidade já teve muitos momentos de transcendência antes. A própria existência das religiões é uma prova de que o ser humano é plenamente capaz de acreditar e colaborar com grandes feitos uma vez que abre o seu coração para um propósito real.

Além dessas dificuldades pragmáticos, existem os de ordem emocional também. Afinal, no local de trabalho são construídas amizades e são compartilhadas experiências. Não é incomum ter pessoas viciadas no trabalho, os workaholics. E trabalhar remotamente é não ter um colega de trabalho do lado para trocar papos em dia.

Isso é uma dificuldade e uma oportunidade. O Co-working, ou co-trabalho, é uma das respostas que vem surgindo. Ao invés de você bater o ponto em um escritório fechado em um prédio, você divide a mesa com pessoas diferentes e em um lugar de sua preferência, e arranjado de uma forma para você se sentir bem. O co-trabalho pode ser desde a mesa de uma biblioteca pública para até estabelecimentos comerciais especializados nisto.

As estações de co-trabalho podem ser até mesmo temáticas. Ela pode ser um escritório onde trabalham pessoas que gostam de bicicleta. ou pessoas que gostam de cerveja. O co-trabalho também pode ser em praças públicas e no meio de jardins. E o co-trabalho pode acontecer em qualquer lugar do mundo.

O Co-trabalho permite você trabalhar com as pessoas diferentes mas que possuem laços em comum contigo, e lhe permite respirar o seu ar pessoal enquanto você exerce sua atividade profissional. Não é a toa que todo nômade digital gosta disso, sendo que é uma boa dica até mesmo para quem trabalha em casa: para que ficar o dia inteiro sozinho no computador se você pode ficar o dia inteiro junto com pessoas parecidas contigo?

Agora que você sabe que dá para virar um nômade e que dá para ter um ambiente legal de trabalho, para onde você vai? Qual vai ser o seu primeiro destino do seu escritório itinerante? As listas de sugestões são fartas. Pode ser desde aqui mesmo nas praias de Florianópolis e os morros exuberantes da Chapada Diamantina, para até mesmo para outros países como os andes peruanos e a selva tailandesa. Se você for buscar bastante, irá descobrir que existem até mesmo países cuja economia é especializada em receber nômades como você. Estônia no caso.

O mundo lhe aguarda, e ele é muito grande para o descobrir somente no turismo e férias. A maior revolução da economia digital é permitir a você de viver ele enquanto você faz sua vida.

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Danilo Lessa Bernardineli
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