O código dinâmico da vida
Qual é o sentido da vida? Qual é o código que escreve a vida? Muito se diz sobre ela ser um ciclo aberto de mudança. Nascemos, crescemos, ficamos grandes, reproduzimos, envelhecemos e morremos. Nem sempre o ciclo se completa: às vezes morremos antes de envelhecermos, e outras vezes passamos para a próxima vida sem ter feito a nossa reprodução, mas o ciclo é em boa medida o que cria a narrativa das vidas e da existência.
Muitas explicações já foram geradas sobre de onde vem a vida, e como ela é transmitida. A mais bem conhecida é aquela fornecida pelas religiões milenares do mundo, no qual o humano e o animal tiveram origens dos sopros divinos.
Outra explicação que é fornecida em outros meios, é de que a vida na verdade teve origem extraterrestre, geralmente através de um meteoro, que teria trazido as bactérias e os compostos essenciais para que se tivesse a sopa primordial da vida. Essa sopa fez com que a vida gerasse espontaneamente, como um sopro ativado pelo mero acaso.
Geração espontânea foi a base de nossa crença sobre a natureza da vida ao longo de séculos. A vida simplesmente surgia do ambiente, e sumia ao ambiente. A massa úmida e densa dos pântanos davam origem para mosquitos e jacarés, os quais surgiam durante o dia e morfavam de volta para a terra durante a noite.
Essa crença passou a ser questionada depois que nós se aventuramos mais a descobrir e entender os ciclos de vida da natureza. Não demorou para descobrirmos os ovos dos jacarés e mosquitos, e vermos que na verdade existia um ciclo por vida atrás de cada espécie. Cada animal e planta, assim como nós humanos, tinha um ciclo de nascer, crescer, reproduzir, envelhecer e morrer.
O problema dos ciclos, é que eles não explicam o porquê as coisas são diferentes. Quando podíamos imaginar que o ambiente gerava os animais, tínhamos uma resposta pronta para toda a diversidade de espécies que existia. Rapidamente, os estudiosos correram para buscar encontrar explicações.
Por algum tempo, a teoria mais aceita foi o Lamarckismo. Nessa ideia, os animais se adaptam ao ambiente de tanto tentar, e com isso elas mudam os seus traços e passam para os seus sucessores. O maior exemplo é o da girafa: elas teriam surgido porque as árvores eram muito grandes e os animais precisavam esticar os pescoços. Com o tempo, o pescoço do adulto foi crescendo, e ele repassava isso ao filho.
A alternativa ao Lamarckismo é a Genética. Nela, os animais possuem um código que descrevem como elas vão ser, e a única força de mudança é a sobrevivência daqueles que possuem um código que permita a eles se adaptar para a realidade.
Com os desenvolvimento sobre seleção natural de Darwin no século 19, rapidamente a genética começou a acumular evidência e a guerra de teorias foi decretada finalizada. Todos nós somos descritos por genes, no qual rapidamente se descobre uma classe de moléculas para descrever ele: o DNA.
É aqui que surge então o Dogma da Biologia, que é o dogma central para explicar de onde vem a vida, e como ela se transmite. E ela é simples. DNA gera RNA, RNA gera proteínas, e proteínas geram os tecidos, músculos, órgãos, cerebros, e tudo que associamos com a vida.
Neste dogma, toda a descrição das proteínas e RNA que você pode vir a representar, está condicionada exclusivamente para com a escolha dos pais que te geraram. Nada que você pode fazer pode mudar isso, pois o DNA somente é repassado.
Tudo bem que existem mutações no DNA, como aqueles causados por raios ultravioletas e poluição do ar, mas eles são bem pontuais, e geralmente acontecem durante o processo de reprodução. Uma vez nascido, você está destinado a ser quem você é.
Ou era. Nas últimas décadas, o Lamarckismo está de volta, pois foi descoberto um fenômeno que muda tudo o que sabemos sobre o determinismo da genética sobre a sua vida. Essa é a Epigenética: a possibilidade de que os seus genes tenham sua expressão alterada durante a sua vida, e repassada para os seus sucessores.
Na epigenética, o seu DNA não é alterado diretamente, mas acontece o que os bioquímicos chamam de metilação. Para entender como isso acontece, é importante saber como funciona o DNA.
O DNA é um código circular que dá voltas em si mesmo. As pessoas gostam de pensar que ele é um livro com uma história única, igual os livros escolares ou a Bíblia, mas na verdade ele está mais para um poema escrito e colado em uma roda que não para de girar.
O problema de você ter um código circular é que você não sabe onde que começa e termina ele. Se você tivesse que falar onde que começa o pneu da sua bicicleta, onde você diria que inicia? Provavelmente no bico de encher o pneu. Esse é o ponto de partida de um Cromossomo, que são os bicos usados pelos geneticistas para indicar onde começam e terminam certos pedaços de DNA.
Entender o DNA como sendo algo circular é importante, pois para ele se expressar e virar RNA e células, ele precisa ser lido. E o problema é que o DNA não tem uma ordem certa para ser lido. É um livro que pode ser lido três vezes sem parar, ou do meio para o final, ou do final para ao começo. Cada pedaço de código de DNA pode ser entendido pelo corpo como sendo diversos livros diferentes, cada um com uma expressão gênica única.
É aqui então que entra a epigenética e metilação. Metilação é o que acontece quando você derrama um copo de café no capítulo do livro que você estava lendo. Subitamente, você não consegue mais ler as páginas na ordem natural pois foi introduzido um corpo estranho e quente em algumas das páginas. Para você continuar a ler, você vai precisar pular algumas páginas e fingir que nada aconteceu.
Só que as marcas do café no papel não passam com o tempo. Se as futuras gerações forem copiar o seu livro, e a marca for realmente muito feia, é bem possível que elas copiem uma versão diferente da versão original. O DNA do livro foi alterado por causa de uma eventualidade ambiental, e isso se propaga para as futuras gerações.
Metilação, na vida real, é uma partícula que se infiltra no meio de seu código genético. Ela faz com que o seu corpo ignore e pule partes do código genético, gerando um significado totalmente novo para o seu DNA, apesar dele não ter mudado.
Com isso, você pode alterar sua expressão gênica mesmo sem precisar mudar os seus parentes. Algumas das formas mais comuns para você induzir metilação e ter sua expressão alterada incluem respirar ar poluído, estar de saúde debilitada e estar constantemente estressado,
Aliás, a associação entre saúde mental e o estresse dos pais é um dos tópicos mais quentes da epigenética. Diversos estudos já consolidaram o estresse fisiológico dos pais na fase reprodutiva, com as características de seus filhos. Eles incluem associar a desnutrição e inalação de poluentes atmosféricos das mães grávidas com a taxa de mortalidade dos filhos, e associar o estresse psicológico e fisiológicos dos pais com a saúde mental de seus sucessores.
É possível que vários dos problemas de saúde genéticos que temos, na verdade seja herança de uma vida não saudável de nossos avós. A epigenética não se trata somente de não sermos resumidos pelos nossos genes, mas se trata também de estar ligados diretamente com os acontecimentos distantes que nos afetaram, e da cultura em que vivemos.
Existem estudos que indicam que cerca de um quarto de toda nossa expressão gênica é fruto de diferenças culturais ao invés de diferenças no DNA, e essa expressão é moldada continuamente pelo que consumimos, vivemos e sofremos.
Eventos históricos como a escravidão em massa, o holocausto, e as segregações sociais e raciais continuam a serem sentidos até hoje pelos sucessores de quem os sofreu. Sofrimentos em massa tem seus efeitos sentidos nas consequências materiais, e na transmissão das dores e traumas.
A epigenética retira o determinismo biológico de cada pessoa. Ela condiciona a nossa existência com o meio que vivemos, e com a história que existiu para que fosse possível existirmos. Nossa expressão gênica é fruto do mundo que deu origem ao nosso mundo.