Wolfram e a Teoria de Tudo computacional

Danilo Lessa Bernardineli
7 min readJun 20, 2020

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Todo grande ciclo científico na história possui um grande gênio. Pitágoras, Aristóteles, Galileu, Newton, Darwin e Einstein. Todos eles representam uma época com valores e visões totalmente diferentes, e a revolução que estes trouxeram ao conhecimento se reflete no espírito de vanguarda da época.

Os ciclos históricos da ciência são como os ciclos históricos da sociedade. Você tem um momento inicial de muitas perguntas e muitas possibilidades, e isso atrai novos produtores de conhecimento que usem as ferramentas cognitivas existentes para ampliar os horizontes.

Com o tempo, as ferramentas esgotam suas possibilidades, e as respostas que surgem deixam de serem satisfatórias. Começa-se um período de crise, e ideias originais e revolucionárias antes consideradas malucas começam a ser cogitadas. Eventualmente um paradigma totalmente fora do padrão emerge, e fornece novas ferramentas para começar uma nova era e um novo tipo de ciência.

Ciclos históricos como usuais. A pergunta que não cala então é: onde estamos nisso tudo? E onde iremos diante disso tudo? Neste texto, mostraremos a biografia do principal aspirante ao grande gênio nessa época de quebra com tudo que era consolidado. Ele se chama Stephen Wolfram, e provavelmente você já o conhece.

O Wolfram tem muitas ramificações. Talvez você já tenha ouvido falar do Wolfram Alpha, o site de internet que responde qualquer pergunta de uma forma quase milagrosa. Ou então talvez você ouviu falar do Mathematica, que talvez seja o programa de computador mais inteligente em existência.

Se você afundar ainda mais, vai descobrir que recentemente ele fez a proposta de uma teoria de tudo na Física, aproveitando as coisas que tinham de melhor na teoria de cordas e entre outros. E que ele trabalha essa proposta de forma colaborativa com seus colegas e pessoas do mundo através de lives no YouTube.

O Wolfram também tem muitas caras. Criança prodígio, físico teórico de partículas, cientista da complexidade, empreendedor da computação, divulgador cientifico e escritor de teorias ousadas. No meio de tantas personalidades, duas coisas em comum sempre aparecem.

A primeira diz sobre o método. Wolfram busca a otimização, o não-desperdício, a sinergia. Para que guardar um rascunho que você fez se você pode mostrar ele para todo mundo? Aliás, porque escrever o rascunho sozinho se você pode escrever ele junto com todo mundo que queira estar junto?

A segunda diz sobre onde ele quer chegar. Toda a visão de mundo do Wolfram foi feita em cima da ideia de um universo computacional, onde a verdade não é descrita por matemática e fórmulas complicadas, mas sim por regras muito simples, e que quando você repete elas muitas vezes seguidas, você tem o surgimento da complexidade e do caos. O mundo não é feito de fórmulas perfeitas e complicadas, mas sim de regras imperfeitas e simples que são repetidas muitas e muitas vezes.

Esses dois consistem na visão computacional do universo e da vida. A visão de que mais vale uma regra simples operando muitas vezes e em harmonia com o seu ambiente, do que uma regra complicada inflexível e dissonante da realidade.

Parte desse apreço pelas regras simples tem dois motivos: o primeiro é que inevitavelmente, você sempre pode quebrar uma regra complicada como sendo duas ou três regras simples. Segundo, uma regra simples não significa uma realidade simples. Pelo contrário, é bem conhecido que mesmo equações consideradas “bestas” como o mapa logístico podem apresentar e misturar tempos de calma junto com tempos de caos absoluto, apesar de ser uma fórmula determinista e simples.

Ë nessa visão computacional da realidade que Wolfram se coloca como candidato ao grande gênio dos dias de hoje. Por muitas décadas, a física e as ciências duras tiveram anos de ouro repletas de descobertas e experimentos impulsionados pela misteriosa mecânica quântica. Essa, que foi criada durante a primeira guerra mundial, prevê um mundo de partículas cheias de incertezas e probabilidades, referendadas por um arcabouço matemático complexo, o qual somente era aceito pois funcionava.

Esse arcabouço sempre foi usado pois até então, a matemática era a rainha das ciências. Ela permitia você descrever passos lógicos sem ambiguidades e de uma forma que você poderia calcular fenômenos distantes sem que se precise de saber tudo ao mesmo tempo. O problema, é que na maior parte dos problemas do mundo, a matemática falha.

Ela falha pois mesmo em problemas muito simples como calcular a órbita de três planetas, a matemática simplesmente não dá resposta. Não há fórmula para isso. A matemática depende de aproximações para atacar problemas complexos em sua plenitude, e boa parte dos esforços teóricos é em encontrar brechas e atalhos que permitam extrair qualquer coisa da realidade.

Enquanto os atalhos funcionam, o conhecimento fluia, mas na virada do século XXI estamos novamente se batendo em novas limitações e novas realidades, e a nova realidade é uma realidade computacional.

Com a ascensão dos computadores, temos a possibilidade de fazer algo que nunca antes foi possível: explorações computacionais. Experimentos agora são sinônimos de usar o computador, e experimentar livremente com a infinidade de regras simples que o mundo oferece. Com o universo computacional que temos em mãos, não precisamos nos limitar a realidade medida, pois agora podemos navegar e explorar as próprias regras que podem dar origem ao universo.

Esse é o novo tipo de ciência, uma que se apoia na natureza computacional do universo, e em explorar a complexidade que emerge dos processos simples que estão nas pequenas coisas do mundo. Para prática-la, tudo que você precisa é de deter um espirito de curiosidade e capacidade de reproduzir e variar as regras simples muitas vezes. Possivelmente com um computador.

Nesse novo tipo de ciência, o número de iterações é mais importante que o resultado final, até porque o resultado final caprichado e polido no fundo é só uma aproximação que se pretende ser final. No novo tipo de ciência, conseguir replicar os processos em massa é mais importante do que deter de um processo exclusivo e para poucos.

Na nova ciência, a simplicidade dos conceitos são sinônimos de robustez, e as complicações são indicadores de aproximações desesperadas. E isso somente acontece pois nessa nova ciência, a natureza é generativa ao invés de descritiva. A natureza não se explica, mas ela se cria.

Não é dificil de visualizar isso. É mais fácil plantar uma árvore do que estudar e descrever o que é uma árvore. As pequenas decisões da vida como por exemplo o que você vai comer hoje costuma ser mais fácil de simplesmente fazer do que pensar numa justificativa convincente. As coisas simplesmente acontecem, e elas não precisam de descrição.

Wolfram se posiciona como o mensageiro dessa visão computacional, tanto na ciência quanto em sua filosofia. Recentemente, ele criou um projeto inédito para descobrir a Teoria de Tudo da física. Algo que substitua as cordas e as partículas probabilísticas por minúsculas regras simples que geram comportamentos altamente complexos.

Essa Teoria de Tudo, o Wolfram Physics Project, possui todos os traços desse novo tipo de ciência. Suas sessões de trabalho são públicas, os seus rascunhos incompletos e em andamento são disponibilizados continuamente, e ela se apoia na nossa nova e mais poderosa ferramenta para explorar: a abordagem computacional.

Nessa nova Teoria de Tudo, o sentido físico do universo se dá através das relações generativas. A existência se dá pelas regras simples agindo em conluio e sincronicidade, e essas regras são exploradas e experimentadas livremente por legiões de curiosos computacionais espalhados pelo mundo. Na nova Teoria de Tudo, a própria formulação dela é generativa. Suas regras são generativas, e seus participantes são generativos.

Cada ciclo histórico da ciência se caracteriza por um grande gênio que coloca em questão os paradigmas e os métodos vigentes. Foi assim quando Galileu desafiou os inquisidores a jogar uma maçã no topo da torre e a aceitar um universo empírico, ou quando Newton criou a ideia de se estudar matematicamente a mudança ao invés da essência, criando-se o universo transformativo, ou mesmo quando Einstein colocou descartou o universo absoluto em favor de um universo relativo.

Para um gênio entrar no panteão, é necessário mais do que uma teoria de tudo: é necessário mudar ideia sobre o que é o tudo. Do tudo quântico e incerto para um tudo computacional e generativo.

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